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NÃO DESISTAM DE CATs!

Por Paulo Silva


Já estamos em 2020, mas Cats ainda é um assunto que entra nas mais diversas rodas de discussão cinematográficas entre amigos, principalmente após a piada polêmica feita por Rebel Wilson e James Corden, no Oscar 2020. Mas como uma pessoa que se aprofundou um pouco mais nessa obra além do famigerado filme do final de 2019, peço aos queridos uma coisa: NÃO DESISTAM DE CATS ... digo isso em relação ao musical, e nesse texto vou fugir dos reviews negativos pálidos e repetidos e vou demonstrar os principais defeitos dessa obra e o porque do musical ser superior à adaptação para o cinema.


Mas bem, creio que toda história se inicia no começo, e essa não será diferente. Andrew Lloyd Webber, compositor famoso por criar diversos musicais de sucesso como fantasma da ópera, Jesus Superstar, Evita, entre outros, decidiu no final de 1977 adaptar o conto de T. S. Elliot, O livro dos Gatos Práticos do Velho Gambá (Old Possum's Book of Practical Cats) em um festival, para levar aos teatros londrinos mais tarde em 1981. Nesses anos de diferença do festival para a estreia do musical houveram várias mudanças no roteiro da peça, pois os poemas do livro não tinham uma história os interligando, deixando até os primeiros interpretes dos personagens bastante confusos. Com isso, Andrew utilizou alguns elementos do livro e de outros contos de Elliot, para formular uma trama e dar um pouco mais de sentido ao musical. Cats não demorou para estourar e logo no ano seguinte (1982) estreou na Broadway, permanecendo em catraz por 18 anos. Mais de uma década depois, Andrew decidiu gravar uma versão da peça para lançar em vídeo, para pessoas de todo o mundo conhecerem o espetáculo. E assim, em 1998, surgia a versão definitiva de Cats que difundiria e angariaria fãs no mundo inteiro.


Enfim chegamos a 2019, e a Universal estúdios decidiu adaptar o musical para o cinema e se arrependendo amargamente disso, e iremos identificar os principais erros e até alguns acertos nessa adaptação.


Tendo uma visão geral do enredo dessa história, os gatos Jellicle são uma “tribo” de gatos que se reúne uma vez por ano para eleger um gato para viver uma nova vida no Heaviside Layer (paraíso), trazendo uma alusão à morte e a uma vida melhor. Para isso, um gato ancião místico surge para nesse ritual escolher qual gato ascenderá aos céus. Essa é a história base de Cats, porém ela é enriquecida com as presenças de vários personagens:


Munkustrap – Protetor e guia do grupo, apresenta vários números musicais agindo como um pai para os demais membros dos Jellico Cats.


Old Deuteronomy – Na peça um gato e no filme uma gata, interpretada pela Judi Dench, tem o papel do sábio(a) místico(a) que elege o gato a ascender ao “paraíso”.


Victoria – A protagonista no longa, mas apenas uma integrante do bando nas peças. Victoria é a gata branca que sempre está as Margens de old Deuteronomy e tem uma relação carinhosa com Mr Mistoffelees.


Mr Mistoffelees – Gato com poderes mágicos com importância trivial para a trama.


Grizabella – A personagem que quis sair do grupo e conhecer ao mundo, e volta em desgracas tentando retornar ao grupo em busca de aceitação, Jennifer Hudson dá vida a esse papel.


Rum tum Tugger – Gato galante que nunca se decide o que quer fazer, e assume o papel de segundo no comando, atrás de Munkustrap, e Jason Derulo encarna este papel.


Bombalurina – uma das gatas do bando dos Jellico, que o filme transformou em uma capanga do vilão devido a sua principal música que no longa, ganha vida pela Taylor Swift.


Macavity – Interpretado por Idris Elba, o personagem é o vilão da trama, sequestrando Old Deuteronomy para ser o escolhido para ir ao Heaviside Layer.


Jennyanydots – A primeira candidata apresentada pela história a ir ao Heaviside Layer, “interpretada” pela Rebel Wilson.


Bustopher Jones – Gato farto (gordo) que vive no beco de grandes restaurantes londrinos, e possui um tom mais formal. James Corden traz este gato a vida.


Asparagus – Interpretado por Ian McKellen, é um gato teatral que canta suas glórias na juventude lamentando seu envelhecimento.


Skimbleshanks – O gato das ferrovias, que atua como um supervisor mantendo a ordem e cuidando que nada falte para os passageiros do trem.


Mungojerrie e Rumpleteazer – Uma notória dupla de gatos gêmeos que adoram criar confusão, tidos como agentes do vilão, Macavity.


Além desses principais, temos vários personagens secundários que participam das canções ou interagem com personagens ao fundo, como Jellylorum, Cassandra, Tumblebrutus, entre outros. Aí temos o primeiro grande problema dessa adaptação, ignorar tudo que não esteja nas canções principais.


Na história é introduzido que os gatos se juntam uma vez ao ano para essa espécie de ritual onde o líder “místico”, Old Deuteronomy escolhe um gato para ascender ao Heaviside Layer (paraíso). O filme também utiliza dessa trama central para dar guia a sua história simples, porém apenas os gatos com canções principais levam uma personalidade, sendo todos os outros apenas genéricos. Para os apaixonados pela peça, esse é um dos principais erros pois o que traz parte da personalidade desse musical, são as interações dos gatos tanto osprincipais, quanto os secundários. Como exemplo, trago o da gata Cassandra, uma gata persa cheia de personalidade e pomposidade em sua postura, sempre se destaca no palco pelo seu visual inconfundível e sua ótima relação com os outros personagens. No filme, essa personagem inexiste.


Outro fator que ajudou a distanciar mais ainda o filme da peça, foi a mudança em algumas músicas, começando pela da Jennyanydots. Escolher a Rebel Wilson para este papel, foi um dos principais erros dessa produção pois além dela possui um humor que não combina em nada com o filme, ela não sabe dançar e nem ... CANTAR! Isso mesmo, colocaram uma comediante que não sabe dançar nem cantar em um musical onde seu papel deveria cantar e dançar. Assim todo o número de dança e sapateado que temos na peça, vira um festival de personagens de computação gráfica mal feitos, vide os ratos crianças e baratas estranhas que já estamos cansados de criticar.


Também houve alteração na musica seguinte, a do gato Rum Tum Tugger. É perceptível que a produção quis trazer uma modernização para o personagem, trazendo Jason Derulo, como um cantor bonitão e seduzente para reimaginar este papel com uma performance mais voltada para o rap. Sería um esforço válido se eles não tivessem repetindo o mesmo erro que a peça. Em 2015/2016, Andrew Lloyd Webber decidiu modernizar o personagem na peça, o colocando com roupas e visual de rap e musica no mesmo estilo, e foi duramente criticado por fãs e críticos. Toda a obra se passa em um cenário do início do século, sendo essa modernização conflitante com a própria obra.


A música do personagem Bustopher Jones foi outra que teve alteração. O apresentador e comediante James Corden, já mostrou em diversas ocasiões em seu programa, que consegue cantar bem, e neste caso isso nem é o problema, mas sim o direcionamento extremante cômico que deram ao personagem. Originalmente, ele é tido como um figurão bem educado com tons clássicos, usando um smoking e bastante comilão. No filme decidiram apenas o colocar ele com um gordo comilão, tornando seu número em apenas engraçadálho, reduzindo bastante o brilho do personagem.

A próxima não foi bem uma modificação, pois eles usaram a música antiga do número de Mungojerrie e Rumpleteazer. Antes do sucesso da Broadway, esse número no musical era um jaz, mostrando o tom ladino desses gatos. Porém, alguns anos após sua criação, Andrew Lloyd Webber alterou a musica para algo um pouco mais leve, sendo bem aceita e adotada até hoje na maioria das versões da peça. Muitos estranharam esse número no filme por ter essa mudança, mas sua boa execução e homenagem a peça antiga me foi visto de forma bem positiva.


O próximo número também não foi uma alteração, já que foi totalmente excluído do filme. Um dos momentos mais divertidos da peça foi duramente tirado do filme, que era o número solo do gato mais importante da trama, o Munkustrap. O número é trazido como uma apresentação teatral retratando a história de um conflito de dois grupos de cães sendo interrompida pelo supergato Rumpuscat. Este momento se dá após a chegada do tão esperado Old Deuteronomy, e o líder dos gatos prepara essa apresentação como um momento de descontração, construindo mais uma vez o relacionamento e personalidade dos gatos. A ausência desse número só ajudou a deixar o filme muito mais vazio e raso.


Para não só falarmos de desgraças, vamos a uma adaptação positiva do filme, que foi o maior destaque para a gata Victória. Na peça ela se destaca por seu visual completamente branco, fazendo um grande contraste cos os outros gatos manchados. Essa “pureza” em seu visual é retratada como uma gata inocente no longa, sendo abandonada pelos seus donos ao inicio e sendo os olhos do espectador no decorrer da trama. Isso se reflete em uma musica aconchegante onde nela sua questão é de só querer ser aceita, o que se dá quando ela é integrada aos gatos Jellicle ao final da história.

Por fim, uma das maiores mudanças feitas nesse musical foi do número/personagem do vilão Macavity (Idris Elba pelado). O personagem recebeu um grande tom de vilão cômico escrachado além de mostrar um superpoder de teleporte, transformando o personagem misterioso, enigmático e furtivo da peça, em um violãozinho mágico genérico, atrapalhado e mequetrefe.


Em uma conclusão geral, esse filme é uma desgraça não só para os espectadores quanto para os fãs da obra teatral, levando vários erros óbvios como a parte gráfica, até erros na composição de personagens e roteiro como falei acima, me fazendo ficar extremamente intrigado de como que passou pela cabeça dos figurões da Universal, em colocar esse filme para concorrer algo no Oscar? Mas ainda assim peço para que não desistam dessa obra apaixonante, pois a peça é bastante envolvente, com ótimos número musicais e personagens marcantes.

Então na próxima vez em que ouvir sobre Cats, se lembre que exista algo bom por trás desse lixo cinematográfico.


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